Não importam as tentativas, não importam as previsões ou as
esperanças de tentar-se encontrar. Nada importa quando se sabe o fim. Sim, o
mundo é grande, as interações são muitas e muitos caminhos se trilham e se
encontram; muitos dos meus caminhos e muitos dos seus quem sabe ainda estarão
juntos, quem sabe se cruzarão alegres em uma aventura ou experiência que valerá
intensamente, ou partirão entre sombras e desespero, morte e agonia. Quem sabe
quanto ainda teremos por experimentar desse mundo, e retirar dele o que nos
molda, o que nos constrói ou o que nos obscurece?
Porém nada importa, nada importa quando se sabe o fim. E esse fim
está sempre a espreita, quieto, a observar silenciosamente como se, com os
olhos semicerrados, tentasse forçar a desistir. Mas eu ainda resisto, até
quando eu não sei.
Também não posso afirmar por que resisto. Não é por mim próprio,
nem por alguém próprio, nem por algo que é ou que será. Esperar o dia antes do
fim, ou mesmo no fim, no qual eu descobrirei a razão de eu ter esperado todos
esses dias talvez seja o impelimento máximo de minha alma. Mas são tantos
"talvezes" que fica difícil pensar com discernimento. A questão é: eu
já sei o fim, e isso destrói a minha força de construir algo para evoluir como
pessoa, pois eu também sei que ao fim eu não estarei tão melhor quanto hoje.
Melhor é uma situação que considero muito complexa para eu explicar facilmente.
Tudo o que eu faço agora é paliativo.
Eu estaria melhor se eu conseguisse focar uma necessidade e
buscá-la. Eu estaria melhor se eu conseguisse equilibrar um sentimento e
experimentá-lo com o seu máximo teor. Melhor eu seria seu eu fosse mais humilde
à felicidade, à satisfação, à compreensão dos simples indícios que moldam uma
vida plena e saudável. Pois eu não estou melhor; dentro de mim não consigo
encontrar nem um pequeno foco de unicidade.
Uma revolta incontrolável,
tempestuosa e arredia entre sentimentos, pensamentos e obstinações é o que
alicerça o meu pior.
Por fim eu durmo pensando na matéria da prova, na festa de depois
de amanhã, no telefonema que fiz hoje, no sentimento que eu queria demonstrar
com mais necessidade. Penso nos meus amigos, no meu trabalho no futuro e em
tudo o que eu ainda tenho por fazer. Mas jamais esqueço que apesar de todas as
experiências, no dia esperado eu estarei lá, e saberei o porquê, e não estarei
melhor ou mais evoluído.
Por mais que eu tente definir e construir um valor a tudo, moldar
um significado e concluir com poucas palavras os porquês das situações, ao fim "algo complexo" nunca deixa transparecer um entendimento. Ao fim jamais alcancei a
claridade de ideais e a plenitude de sentidos, a tão sonhada natureza entre a
obscuridade.
Não consigo acompanhar, é muito para essa pequena mente
despreparada, tantas vezes preguiçosa e sempre em revolta... Isso me cega. Pois
eu não sabia, mais uma vez eu não sabia que minhas próprias indefinições podiam
transformar todos os potenciais.
Havia potenciais, apesar de tantos
questionamentos, apesar de vários despreparos e não colaboração entre esses
dois teores que lutam para se equilibrar.
Houve o carinho, a troca de palavras
transformadas em voltade e afirmação; sentimentos cresceram e souberam
como amadurecer e alegrar-se em meio a tanta turbulência e medo. Mas hoje, por
mais uma vez devido a eu não saber, não tenho nada.
Pensei muito, imaginei-nos
esclarecidos e realizados, mas minha incessante capacidade de jamais me
estabilizar e o meio que me sufoca ao tentar encontrar-me em outro destruíram
talvez a minha oportunidade mais sincera.
Pois eu amo com sinceridade, e tento seguir como se a vida fosse
etapas entre desejos e sonhos não realizados. Mas os potenciais não me deixam
descansar, e quando penso como tudo poderia ser na ausência de parte de mim e
de parte do meu meio, eu me entristeço, e peço ao silêncio um dia sem
pensamentos.
A cada inspiração uma promessa e um novo começo... até certo ponto
um outro limite eu tento vislumbrar. Quando expiro uma decepção apaga esse
momentâneo furor, tão momentâneo que apenas um indício de prazer de se ter
perspectivas eu provo, e sinto saudade.
Sinto-me seguro em afirmar que o ser humano caminha em suas
perspectivas; mesmo que muitas não se completem, ter algo por que buscar e
empregar as determinações é um meio muito eficiente de confirmar-se nesse
mundo. Lutar por lutar basta para se sentir capaz de viver, pois a vida é uma
luta aquém de vencedores ou perdedores.
A vida quer o suor enquanto nos digladiamos iludidos, enquanto
pensamos em uma vitória inexistente. A rebeldia, a força, a determinação e o
desafio é o alimento da vida, vencer é o contentamento do homem. E quando se
perde nascem novas ascensões para se ganhar, e assim continuam as
personalidades.
Porém quando expiro eu compreendo; uma das poucas vezes... Penso
que não adianta criar as maiores perspectivas quando o prazer de vencer é
inexistente, quando já se sabe o fim. Não que eu queira vencer, já disse que
isso não existe; porém todos cegamente buscam a vitória como expressão máxima
da própria capacidade, do sucesso, e eu não conheço esse sucesso, pois tudo é muito vago.
As minhas perspectivas inspiratórias ajudam-me a entender um pouco
esses muitos outros, tantos iludidos, mas quem sou eu para julgar? Às vezes me
culpo por tentar conhecê-los ao me basear no que em mim é diferente. Sempre há
a possibilidade de eu estar profundamente enganado em relação a tudo além de eu
próprio.
A turbulência de sentimentos aos poucos se esvai. Uma monotonia apenas domina aquela sensação de ser. Um sentimento, uma concepção, pequenas idéias passageiras interpretam as reflexões diárias, agora poucas, menos sensíveis, menos arredias e dominantes.
Não posso dizer que não gosto ou que não quero, também não posso dizer que isso seja o ideal de uma incessante busca de ideais. Afinal, apesar de muito ter mudado, está incrustado na alma a insatisfação. Mas agora menos conturbada, mais contente e boba, uma insatisfação de todos os dias, a de todo mundo. Não tenho mais a insatisfação minuciosa, detalhada, da qual eu compreendia mais que os meus próprios sentidos. Não, neste momento não a tenho mais.
Pois meu cansaço esvaiu-se; surgiu algo no lugar que ainda não sei o nome. Uma serenidade sem raciocínio, algo contemplador apenas, as simples excentricidades não mais aceleram meus batimentos.
Que triste. Antes talvez eu me sentisse mais inspirado, por outro lado, enquanto inspirado também estava pronto a me rebelar e agredir o mundo com o qual eu brigava tantas vezes. Admito que a turbulência e imprecisões de pensamentos às vezes são mais divertidas que a monotonia diária de idéias.
Como dois comprimidos diários mudam uma pessoa. O Orap roubou minha inspiração, mas presenteou-me com uma serenidade que jamais experimentei. Será que esse é meu tão procurado ideal? Não imagina como é incômodo aceitar a minha estabilidade de algo criado por mãos e mente humanas (que não as minhas). Por mãos e mente humanas.
Sempre pontuei meu ideal no segredo oculto de uma natureza existente, porém muito mesquinha, mas ainda natureza. E eis que surge um comprimido que me fez deixar de tentar entender.
Como é bom deixar de tentar entender quando se sabe que por mais que se tente... insatisfação.